Vistos, etc.Trata-se de embargos de
declaração opostos pela Municipalidade de São Paulo (fls. 1528/1530), com
fulcro nos artigos 1022 e 357, 1º do Código de Processo Civil. Considerando
que a decisão embargada (fls. 1449/1457) se trata de despacho saneador e a previsão do Novo Código de Processo Civil
(artigo 357, 1º) no sentido de permitir às partes a solicitação de
esclarecimentos, requereu a embargante:
1) o aclaramento da decisão quanto a
se:
a) o objeto da prova terá por base a
íntegra das cláusulas do contrato de concessão entre a União e o Município
para a área litigiosa, ou os limites dados pela petição inicial e seus
sucessivos aditamentos, a saber, o alegado descumprimento da cláusula 7ª, II
e IX no que tange à manutenção dos comerciantes cadastrados;
b) se serão objeto de instrução
probatória fatos e normas não invocadas pelos autores, a saber, a Lei nº
11.483/07 e o suposto direito de preferência na aquisição ou regularização de
pretensa posse dos comerciantes que se encontravam no Pátio do Pari quando da
cessão do uso ao Município, na condição de ocupantes, para os fins do artigo
13 do texto legal;
c) as provas que se reputam
relevantes e pertinentes;
2) o aclaramento da decisão quanto ao
modo de cumprimento da tutela provisória concedida, notadamente:
a) sanando-se a contradição entre as
providências determinadas, a saber, a suspensão do contrato e o depósito
periódico de prestações vincendas;
b)
Em que prazo o MM. Juízo reputa possível a reassunção do Pátio do
Pari, sendo certo que se espera seja prazo razoável, em vista das
dificuldades materiais que se enfrentarão;
c) em que prazo reputa possível que
se readapte o imóvel ao projeto "as building" aludido;
d) se deveria o imóvel permanecer
fechado ou aberto durante a recomposição ao projeto e recondução dos
comerciantes que ali se encontravam em 2010 às posições originais ou
equivalentes;
e) em que prazo reputa possível se
prestem as informações e se realizem as diligências elencadas no item 4 da
decisão;
3) o pronunciamento quanto às
preliminares suscitadas em contestação (inadequação da via eleita,
ilegitimidade ativa, inépcia da inicial e falta de interesse de agir) e sobre
a manifestação prévia de fls. 317/321. A respeito da rejeição das
preliminares, ressaltou: que o artigo 489, 1º do NCPC, não considera
fundamentada decisão que se limite à invocação de precedentes sem demonstrar
que o caso a eles se amolda; que as preliminares arguidas não são reprodução
de outras, que, por suscitadas em demanda diversa, apenas a ela se referem e,
diversamente do consignado na decisão, houve sim recurso (agravo retido) em
face de sua rejeição na audiência aludida.
Vieram os autos conclusos para
decisão de embargos, sendo dada baixa na conclusão para juntada de decisão
proferida pela Exma. Desembargadora Presidente do E. Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, nos autos da Suspensão de Liminar ou Antecipação de
Tutela nº 0012399-80.2016.403.0000, determinando a suspensão da tutela
deferida nos presentes autos (fls. 1533/1544).
É o relatório.
Ciente da decisão proferida pela Exma.
Desembargadora Presidente do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos
autos da Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº
0012399-80.2016.403.0000, reputa este Juízo que não houve a perda do objeto
dos embargos de declaração opostos em face da decisão suspensa, visto que
além das determinações deste Juízo foram abordados pela embargante questões
processuais não abordadas na decisão de suspensão de liminar.
Além disto, em relação às questões
não processuais, ou seja, às determinações propriamente ditas, embora tenham
sido suspensas pela decisão da Presidência deste E. TRF/3ª Região, entende
este Juízo cabíveis os esclarecimentos solicitados.
Os Embargos de Declaração postos à
disposição das partes litigantes destinam-se para esclarecer, interpretar ou
mesmo completar pronunciamento judicial, exclusivamente, em benefício de sua
compreensão ou inteireza, sem cuidado com possível proveito que possa ser
trazido à Embargante.
Não estão destinados em obter um
reexame da decisão, que pode até mesmo ter sido favorável à Embargante, como
sucederia se fosse recurso, no qual necessária sucumbência como pressuposto
de admissibilidade.
O objetivo, conforme observava
Theotonio Negrão em nota ao Art. 536 do antigo Código de Processo Civil, 37ª
Ed. nota 5, que permanece atual, encontra-se em integrar ou aclarar juízo
decisório implícito, porém omisso do texto da sentença ou decisão e devem ser
enfrentados pelo mesmo juiz prolator.
A obscuridade tanto pode se
apresentar na fundamentação da decisão como no "decisum" e na
observação de Barbosa Moreira: "a falta de clareza é defeito capital em
qualquer decisão". A omissão ocorre quando o Juiz deixa de apreciar
questões relevantes suscitadas pelas partes ou que deveriam ser conhecidas de
ofício, com o que, na falta de interposição dos declaratórios isto poderia
levar à preclusão da matéria não apreciada e decidida, vedando-se ao Tribunal
conhecê-la caso não fosse daquelas a serem conhecidas de ofício, pois, em
relação a estas, não ocorreria preclusão (CPC, 267, 3º).
A contradição se verificaria quando
presentes na sentença, pronunciamentos e decisões inconciliáveis entre si. O
CPC de 1973, antes da edição de Lei nº 8.950/94, prendia-se à existência de
obscuridade, dúvida, contradição ou omissão. Com a edição da Lei 8.950/94,
houve supressão da expressão "dúvida" reputada consequência de
obscuridade ou contradição observada no julgamento, sendo, portanto,
considerada inócua a expressão.
Embora haja certa relutância em
aceitar-se modificação ou inovação do julgado através dos embargos de
declaração, isto inexiste em relação ao "erro material" à partir do
entendimento, inclusive do STF, no sentido de que "a contradição que
vicia a inteireza lógica do julgado, constitui verdadeiro erro material,
suscetível de modificação pela via de embargos declaratórios" (RE nº
69.765, Rel. Min. Barros Monteiro, RTJ 63/424).
Prestigia-se, com isto, o
entendimento no sentido de considerar o erro material como uma forma grave de
contradição do julgador que, abstraída, resultará em julgamento diverso.Atualmente,
já se admite conhecimento de embargos declaratórios com efeitos
modificativos, mesmo que não seja caso de erro material, podendo ocorrer,
inclusive, na apreciação das provas do processo, se ocorrer erro manifesto, a
ponto de alterar o resultado do julgamento, posição abraçada pelo STJ como
observa Humberto Theodoro Júnior: "quando manifesto o equívoco".
Neste sentido, Barbosa Moreira
ensina: "Na prática judiciária é sensível a tendência de ampliar essa
possibilidade, para ensejar a correção de equívocos manifestos por meio de
embargos de declaração".
Carlos de Araújo Cintra, em estudo na
RT 595/17, esclarece: "Na potencialidade própria dos embargos de
declaração está contida a força de alterar decisão embargada, na medida em
que isto seja necessário para atender a sua finalidade legal de esclarecer
obscuridade, resolver contradição ou suprir omissão verificada naquela
decisão. Qualquer restrição que se oponha a esta força modificativa dos
embargos de declaração nos estritos limites necessários à consecução de sua
finalidade específica, constituirá artificialismo injustificável, que
produzirá a mutilação do instituto".
Assente que os princípios do
"due process of law" e da prestação jurisdicional enfeixam um
notável conjunto de garantias aos jurisdicionados e a própria doutrina do
processo busca desapegar-se das fórmulas que o transformavam em uma simples
técnica de produção de atos e de julgamentos para, reconhecendo-lhe a exata
dimensão, torná-lo um veículo eficiente de reconhecimento do direito material
que nele se busca, constata-se ser impossível que, em nome da forma se possa
amesquinhar o direito, impedindo a prestação jurisdicional em sua plenitude.
Em apertadíssima síntese,
prestando-se para esclarecer, interpretar ou completar pronunciamento
judicial emitido exclusivamente em benefício de sua compreensão ou inteireza
sem cuidado com o possível proveito ao Embargante, qualquer decisão judicial
termina por comportá-los, por não se poder admitir que decisões, quando não
definitivas, fiquem desprovidas de um remédio mesmo eivadas de omissão ou
obscuridade, comprometendo, inclusive, o seu cumprimento.
Este juízo, dentro deste
entendimento, tem provido a maior parte dos Embargos opostos às decisões, por
reconhecer que qualquer expressão de linguagem, a escrita em particular,
embora indispensável, sofra - sempre e necessariamente - do defeito da
insuficiência em relação à ideia que se procura exprimir, o que termina por
impor ao interlocutor a exigência de integrar e completar aquela e, assim, se
dúvida remanesceu, merece-a o embargante, ainda que em homenagem ao recurso.
Examinemos, portanto, cada um dos
aspectos aventados pela Embargante, desde logo esclarecendo ter sido sempre
mantido comportamento no sentido de obter do Município de São Paulo, em
relação à Feira da Madrugada instalada em próprio territorial da União
Federal, razão pela qual, inclusive se firmou a competência desta sede
federal, soluções conciliatórias atendendo, objetivamente, o interesse
público imanente do cumprimento das cláusulas do contrato de concessão
oneroso firmado entre a União e o Município. Sobre o ponto de estabelecer se
o objeto das provas a serem realizadas terem por base a íntegra das cláusulas
do contrato de concessão onerosa entre a União e o Município para a área
litigiosa, ou estarem elas contidas aos limites dados pela petição inicial e
seus sucessivos aditamentos, a saber, alegado descumprimento da cláusula 7ª,
II e IX no que tange à manutenção dos comerciantes cadastrados, cabe apenas
esclarecer que, conforme constou na decisão, que ora se pede aclaramento, a
ação popular, pelo seu objetivo, não pode ser vista dentro da concepção
arcaica e tradicional do processo judicial destinado a solução de litígio
ente Caio contra Ticio na qual haveria de existir, necessariamente, uma
limitação objetiva do ponto controvertido.
Na ação popular cujo favorecido nem
mesmo é o seu autor mas que se volta para a proteção de patrimônio público,
intuitivo reconhecer impossibilidade da limitação, pois, no caso, não se pode
desconhecer que a proteção atende a interesses até mesmo do município
enquanto esfera de poder público.
Neste caso, falar-se em limitação do
exame judicial exclusivamente à cláusula 7ª, II e IX, afora não impedir que
outras ações populares sejam ajuizadas tendo por objeto estes outros
aspectos, conduziria a uma limitação cognitiva do juízo sobre possíveis
ilegalidades que viessem a ocorrer durante o curso da ação ou que, ocorridas
anteriormente, viessem a ser apuradas na instrução.
Sobre este aspecto, oportuno que se
observe que, constatando-as, ao juízo é vedado permanecer inerte. Quanto ao
questionamento de "se serão objeto de instrução probatória fatos e
normas não invocadas pelos autores, a saber, a Lei nº 11.483/07 e o suposto
direito de preferência na aquisição ou regularização de pretensa posse dos
comerciantes que se encontravam no Pátio do Pari quando da cessão do uso ao
Município, na condição de ocupantes, para os fins do artigo 13 do texto
legal" cabe ao Juízo tão só esclarecer que os autores a mencionam em
aditamento e, mesmo que assim não fosse, por encontrar-se a referida lei
expressamente mencionada nos instrumentos da cessão da União ao Município, o
confronto no sentido de sindicar observância é obrigatório.
De fato, parece sem propósito
considerar que o Juízo, ao sindicar a concessão onerosa da União ao Município
esteja impedido de incursionar do exame dos motivos determinantes; em
aspectos relacionados à formação do contrato de concessão onerosa e mesmo
sobre sua execução, posto que ilegalidade presente em qualquer desses
aspectos há de ser reputada relevante no exame judicial de ação cujo objeto
encontra-se na proteção do patrimônio público.
Quanto ao terceiro ponto no sentido
de aclarar quais as provas que se reputam relevantes e pertinentes, ocioso
afirmar que serão aquelas que o Novo Código de Processo Civil permite, a
saber, as documentais, inclusive constantes de processos administrativos da
União e do Município, eventuais inquéritos no âmbito do Ministério Público
Federal, oitiva de testemunhas, se necessária, assim como de autoridades
partícipes dos atos, vistorias e perícias caso a instrução as recomende.
Quanto ao aclaramento da decisão
sobre o modo de cumprimento da tutela provisória concedida, notadamente no
sentido de sanar contradição entre as providências determinadas, a saber, a
suspensão do contrato em cotejo com o depósito periódico de prestações
vincendas pelo concessionário particular, tratou-se de providência de cunho
cautelar considerando os termos do Parágrafo Primeiro, da Cláusula 6ª do
Contrato de Cessão sob o Regime de Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel
em Condições Especiais constante do Livro nº 23, Folhas 153/157, da
Superintendência de Patrimônio da União: "O contrato para concessão do
Projeto Circuito das Compras, deverá prever o pagamento de um valor anual,
pelo empreendedor privado, como contrapartida da concessão do Projeto
Circuito das Compras, cujo objetivo é remunerar o uso do terreno. O valor
será devido a partir do primeiro ano do da concessão do Projeto Circuito das
Compras, devendo o primeiro pagamento ser feito em uma única parcela em até
90 (noventa) dias após a assinatura do contrato de concessão do Projeto
Circuito das Compras."Sobre este ponto cabível ressaltar que até mesmo a
afirmação do município sobre a necessidade de se fixar prazo razoável para
poder reassumir a gestão da Feira da Madrugada, termina por admitir a
possibilidade da permanência da estrutura do concessionário no Pátio do Pari
onde ocorre a Feira da Madrugada.
De fato, o subsequente aclaramento
pedido: "em que prazo o MM. Juízo reputa possível a reassunção do Pátio
do Pari, sendo certo que se espera seja prazo razoável, em vista das
dificuldades materiais que se enfrentarão" revela a possibilidade de
que, mesmo diante da suspensão do contrato de concessão do município ao
particular determinada por este juízo, da permanência fática dele poder
acontecer, seja em relação à manutenção de equipes de trabalhadores como em
relação ao recebimento de valores de aluguéis dos comerciantes, sem contar
eventuais valores recebidos ainda não repassados.
Quanto ao prazo reputado possível a
fim de que haja a readaptação do imóvel ao projeto "as building"
referido na decisão, oportuno apenas destacar objetivar atender aspectos
relacionados à segurança do local por se supor ter o município realizado as
obras para atender exatamente estas exigências, sem prejuízo das de
preservação de fachadas de prédios históricos presentes no local, sendo de
conhecimento tanto do município como do Concessionário Privado que toda área
do Pátio do Pari é considerada de interesse do CONDEPHAT.
De toda sorte, considerando que a
omissão de prazo efetivamente existiu, a fim de integrar a decisão, sem
prejuízo de reconsideração à vista de informações sobre inadequação em razão
do volume de intervenções necessárias, mas considerando trata-se de
providência voltada à segurança daquele espaço, fixo-o em 30 dias.
Quanto a dever o imóvel permanecer
fechado ou aberto durante a recomposição ao projeto e recondução dos
comerciantes às posições originais ou equivalentes que se encontravam em
2010, considerando que entre as obrigações onerosas da concessão da União ao
Município, e por este aceita, encontrava-se a de garantir a continuidade do
trabalho dos comerciantes até mesmo durante a construção do Shopping Popular,
afora não se visualizar obstáculo que esta providência não seja instantânea,
mas paulatina e até mesmo com a colaboração dos comerciantes e, finalmente
levando em conta que, para muitos deles, aquele é o único meio através do
qual, graças ao trabalho envolvendo o conjunto familiar, obtêm recursos para
sobrevivência, a única conclusão possível é que deverá permanecer aberta.
Quanto ao último ponto, no sentido do
prazo que o Juízo reputa possível para que sejam prestadas as informações e realização
das diligências elencadas no item 4 da decisão, a não fixação de prazo não foi
acidental mas decorreu de considerações do Juízo do Município o fazer em um
prazo razoável, de acordo com suas condições e limitações técnicas e
burocráticas.
Considerando, todavia, que a ausência
de fixação de prazo se mostrou como virtual impedimento para que possa
atender a exigência, fixo-o em 30 (trinta dias) reputado como razoável, tendo em vista a inquestionável capacidade da equipe de fiscalização
que o município de São Paulo conta em realizá-la, sem prejuízo de este hiato
temporal vir a ser estendido a partir de justificativas do próprio Município
a ser trazida aos autos.
Finalmente, quanto às preliminares
suscitadas em contestação pela municipalidade (fls. 959/969) (inadequação da
via eleita, ilegitimidade ativa, inépcia da inicial e falta de interesse de
agir); sobre as da manifestação prévia de fls. 317/321, e pela União às fls.
1237/1245, inicialmente cabe observar que o Juízo não se limitou a colacionar
jurisprudência, reportando-se à decisão anterior, deste mesmo juízo, em ação
popular anterior, cujo objeto igualmente encontra-se em sindicar
descumprimento de cláusulas do mesmo contrato de concessão onerosa, na qual
as preliminares arguidas não diferiram, na essência das arguidas nesta ação.
De toda sorte, a fim de evitar
alegação de omissão e supressão de instância, em relação à preliminar de
incompetência do juízo por conexão e litispendência com ação popular
distribuída na 5ª Vara Federal, cabe apenas observar que esta questão foi
superada no exame judicial realizado no bojo da exceção oposta.
Sobre terem os autores populares
legitimidade para requererem a anulação da concessão onerosa mas não o de
requererem providências judiciais visando a recondução dos comerciantes aos
seus boxes originais, mesmo sendo esta uma obrigação prevista no Contrato de
Concessão Onerosa, ainda que não se possa discordar deste entendimento
baseado em concepção mais tradicional do processo judicial, isto se mostraria
relevante se os autores estivessem buscando, no bojo de ação popular,
exclusivamente atender a este interesse (recondução aos seus boxes). Sobre
este ponto oportuno observar que a lista de pessoas impedidas de retomarem
seus boxes, trazida ao processo, conforme esclarecimento pedido ao Autor em
decisão anterior, destinou-se em apresentar elementos concretos indicativos
de descumprimento de cláusula expressa do contrato, que, inclusive, não é
contestada mas apenas justificada.
De fato, a alegação de ilegitimidade
ativa dos autores fundada em terem interesse na recondução a seus boxes, não
resiste a um exame mais acurado pois a se aceitar este argumentos ter-se-ia
que considerar sem legitimidade para propositura de ação popular qualquer
cidadão com interesse em uma administração proba e honesta do patrimônio
público e apenas dotado desta legitimidade aqueles que não tivessem esse
interesse o que, atualmente, diga-se "en passant", não seriam
poucos, inclusive ocupantes de cargos públicos, como noticiado pela mídia.
Sobre pretenderem a recondução aos
locais de trabalho e que lhes foi suprimido, cabível por ora observar que a
própria lei civil tem admitido a busca de soluções judiciais que preservem
negócios jurídicos, inclusive nulos, se a referida nulidade puder ser
judicialmente sanada.
Atente-se que no caso, onde se busca
proteger o patrimônio público, a solução a ser buscada há de ser aquela que
mais atenda a este desiderato e não aquela que, em nome de pretensos limites
da ação popular a imponha, não se havendo de ver, permita-nos figurar a
hipótese do contrato de concessão do município não ser cumprido em suas
cláusulas pelo concessionário, não poder haver no curso de ação judicial de
mesma natureza, a adoção de providências judiciais cautelares destinadas a
minimizar esses prejuízos.
Enfim, de que em nome do processo
judicial seja aguardado o trânsito em julgado da ação para que eventuais
providências sejam tomadas. De pronto, apenas conveniente observar que
qualquer limitação ao cumprimento das cláusulas acordadas com a União, mesmo
que provenientes de atos administrativos da municipalidade (lato senso) por
unilaterais que seriam, não atuariam de forma a exonerar a caracterização de
mora ou inadimplemento.
Quanto à alegada inépcia da inicial,
isto resultou superado pelos aditamentos, não se havendo de tê-la como
impedindo o exercício de defesa, até porque o permitiu, com a própria
municipalidade-ré e União Federal realizando a descrição dos fatos
considerados relevantes. A parte autora, por sua vez, indicou de maneira
clara e objetiva, o juízo competente, a qualificação das partes, a causa de
pedir, o pedido e suas especificações, o valor da causa e as provas para
demonstração dos fatos, bem assim, requereu a citação e juntou documentos
necessários à propositura.
Como "condição de ação",
quer se a pretenda como aquela destinada em obter uma sentença de mérito, as
que devem ser atendidas são aquelas destinadas em obter uma sentença qualquer
e, quer se a veja como destinada a obter um resultado concreto, as condições
a serem atendidas serão aquelas para obtenção de uma sentença cujo conteúdo
esteja determinado. Só isso. O nosso sistema processual se filia à teoria da
ação como direito abstrato, ou seja, como direito subjetivo público e
autônomo de pleitear, em juízo, uma prestação jurisdicional sobre um caso
concreto.
Da maneira em que formulada, a ação
atende, perfeitamente, a esta condição de procedibilidade. Não há de se falar
em falta de interesse processual por inexistência de ato lesivo pois este
aspecto confunde-se com o próprio mérito da ação. Interesse processual como
condição de qualquer ação se encontra voltado em estabelecer a necessidade de
intervenção judicial e, no caso, os elementos já constantes dos autos e a
própria contestação confirmam a presença de resistência tanto da União
Federal em adotar providências a seu cargo destinadas a proteger seu
patrimônio, como da municipalidade em cumprir cláusulas onerosas com ela
acordadas, com o potencial de causar danos.
Igualmente não procede a preliminar
de ausência de interesse processual da União a pretexto de não ter vínculo
com o contrato de concessão entre a municipalidade e o parceiro privado, na
medida em que o objeto desta ação encontra-se em sindicar prejuízo da União
pelo descumprimento de Contrato de Cessão e de Concessão Onerosa entre a
União e Município dentre cujas cláusulas se encontra a de realizar concessão
da área do Pátio do Pari para particulares, mediante condições igualmente
estabelecidas, que, por derivada, somente poderá prevalecer se a concessão
onerosa da União ao Município for cumprida em todos os seus termos e, por
consequência, considerada válida e eficaz.
Finalmente, não há de se falar em
lide temerária na medida em que os fatos expostos na inicial estão longe de
ser meras especulações ou divagações, mas situações fáticas que o próprio
município confirma existir ao buscar justificar o descumprimento de cláusulas
em atos unilaterais da municipalidade.
Diga-se mais, quanto a pedir o Autor
Popular a declaração de nulidade ou decreto de rescisão do contrato de concessão
firmado entre a União Federal e o Município por frontal descumprimento de
cláusulas, possível visualizar pretensão desconstitutiva e, diante da moderna
interpretação do conteúdo da ação popular, conforme entende Ricardo Barros
Leonel, citado por Mancuso*2: "... deve ter-se como superada a
interpretação de que a ação popular só poderia ser proposta com escopo de
obtenção de tutela condenatória, para fins de reparação de dano, e desde que
haja dano. Esta linha doutrinária não se compatibiliza com a correta dimensão
do direito constitucional de amplo acesso à ordem jurídica justa. A
(equivocada) visão restrita das modalidades de tutela jurisdicional a serem
obtidas por meio da ação popular impediria a propositura desta ação em
situações em que ela possui clara utilidade".
A esse propósito, José Carlos Barbosa
Moreira, referindo-se à ampliação da legitimação para além do cidadão já
constatava que: "muitas vezes acontece que um indivíduo isolado, para
sustentar este tipo de pleito, defronta-se com adversários de grande poder
político e econômico. De sorte que sua luta - para repetir uma imagem que
tive a oportunidade de usar em algum artigo - poderia assemelhar-se à que
travaria contra Golias, um Davi sem funda". Portanto, ainda que
redundantemente: Derivando o direito à esta ação, da fruição, pelo cidadão,
de seu status civitatis, ou seja, de seus direitos políticos e estando
garantido na Constituição Federal o exercício destes direitos, pode ele
exigir do Estado-Administração o cumprimento do seu poder-dever mais básico
que é a gestão proba e eficiente do patrimônio público lato sensu (CF, art.
37, "caput").
O dissenso que ocorria em relação ao
texto constante da Lei 4.717/65, editada sobre a égide da Constituição de
1.946, encontrava-se definitivamente superado, pois já na de 1.967 a redação
se aprimorara: "anular atos lesivos" (art. 153, 31) fórmula mantida
na de 1.969, com a vigente a aperfeiçoando ainda mais ao dispor: anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
Observe-se que o atual texto
constitucional não contém as expressões ilegalidade ou ilegitimidade mas
apenas ato lesivo, o que leva Mancuso (op. cit) a observar: "... a
lesividade do ato há de ser, em princípio o leit motiv da ação, sua causa
próxima mais evidente. Casos até haverá (não serão a regra) em que tal seja a
enormidade da lesão, que a ilegalidade virá, por assim dizer
"embutida", presumida, ínsita da lesão mesma." Portanto, irrelevante
ser o contrato portador ou não de vício em sua formação.
Ainda no sentido desta exigência, em
regra, do binômio ilegalidade-lesividade, o STJ já se posicionou anotando,
ainda, a importante ressalva quando aos casos em que a causa de pedir repousa
na moralidade administrativa: _A ação popular visa proteger, entre outros, o
patrimônio público material e, para ser proposta, há de ser demonstrado o
binômio "ilegalidade-lesividade". Todavia, a falta de um ou outro
desses requisitos não tem o condão de levar, por si só, à improcedência da
ação. Pode ocorrer de a lesividade ser presumida, em razão da ilegalidade do
ato; ou que seja inexistente, tais como nas hipóteses em que apenas tenha
ocorrido ferimento à moral administrativa" 2ª T. REsp. 479.803, rel. Min.
João Otávio Noronha, j. 22.08.2006, DJ 22.09.2006, p. 247.
A ampliação do objeto da ação popular
ao erigir a moralidade administrativa em fundamento autônomo da ação popular
ocorreu por poder se dar do administrador ímprobo procurar cercar o ato das
chamadas "formalidades legais" sem lograr, em sua essência, dele
afastar que seja imoral no sentido da moralidade administrativa como
concebida por Hauriou de "que o agente administrativo como ser humano
datado da capacidade de atuar, deve, necessariamente distinguir o Bem do Mal,
o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de
sua conduta. Assim, não terá de decidir somente entre o legal e o ilegal, o
justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o
inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto" (Meirelles, Hely
Lopes Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed. apud, Mancuso, Rodolfo de
Camargo, Ação Popular, 6ª ed. RT, p. 130.
Tampouco atualmente aceitável a
dicotomia entre interesse público primário e interesse público secundário
conforme pondera Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida: "A partir da
Constituição de 1.988 está superado aquele entendimento que preconiza que o
interesse público não se confunde com o interesse meramente patrimonial da
Fazenda Pública. Havendo ameaça de lesão ao patrimônio público, deixa de
haver interesse meramente estatal, o chamado interesse público secundário, e
concomitantemente surge o interesse público primário ou interesse social, ou,
ainda, interesse difuso, de toda a coletividade, cuja defesa é função
institucional do Ministério Público, entre outros legitimados" Yoshida,
Consuelo Yatsuda Moromizato, O Ministério Público e sua função institucional
de defesa do patrimônio público lesado ou ameaçado de lesão. Boletim dos
Procuradores da República, out. 1999, nº 18, p. 12, Apud op. cit.
Daí compreender-se a observação de
José Afonso da Silva: "A lei pode ser cumprida moralmente ou
imoralmente. Quando a sua execução é feita, por exemplo, com intuito de
favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal,
mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa" (Curso
de Direito Constitucional Positivo, 19ª ed. p. 466) apud op. cit.
"Por derradeiro, ainda que
tecnicamente não objeto dos embargos, porém, por neles mencionado o fato da
municipalidade ter uma despesa anual de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões
de reais) que coincide com o preço total pago pela concessão daquela imensa e
extraordinária área no centro da capital de São Paulo para um "consórcio"
de empresas privadas, pelo prazo de 35 anos, prorrogável por igual período,
ou seja, 70 anos, oportuno que se observe que o próprio município de São
Paulo, através do art. 1º, do Decreto nº 54.455, de 10 de outubro de 2.013,
fixou como preço público o valor de R$ 910,00 (novecentos e dez reais)
mensais a serem pagos para exercício do comércio denominado Feira da
Madrugada, desenvolvido no Pátio do Pari, estabelecendo seu parágrafo único:
"No valor previsto no "caput" deste artigo foram computados os
custos de limpeza, higienização, bombeiros civis e segurança dos próprios
municipais, as despesas de energia elétrica, água e organização do
estacionamento, de responsabilidade dos permissionários, bem como os custos
com as obras de readequação do local em observância às normas de segurança
contra incêndio", portanto, do recebimento desta parcela mensal dos
comerciantes ser suficiente não apenas para manutenção da feira como de
pagamento da própria reconstrução dos boxes dos comerciantes e outras obras realizadas
pelo município.
De fato, multiplicando-se o valor
acima pelos números de boxes reconstruídos na feira da madrugada, sem
contarmos as lanchonetes e aqueles já existentes e não objeto de
reconstrução, como também a área dos hortifrutigranjeiros chega-se a um valor
acima dos cinquenta milhões. Considerando que neste montante estaria incluído
o custo das obras de readequação ou mais precisamente de "reconstrução
dos pouco mais de quatro mil boxes" a conclusão, mesmo que superficial,
indica que a manutenção da cobrança do mesmo valor (considerando embutir o
custo da reforma) apresentar-se-ia até mesmo superavitária para o Município.
Transferido que foi para particulares
não só o espaço em que se encontra instalada a feira mas também as outras
áreas por ela não ocupadas e integrantes do Pátio do Pari, (áreas
complementares) preservado o direito destes permanecerem cobrando, à título
de aluguel o mesmo valor, sem a necessidade de amortização do custo das
construções, a manutenção do espaço em poder do município proporcionaria mais
receitas que as decorrentes da concessão.
É certo que este aspecto, basicamente
econômico e, portanto, metajurídico, não deverá ser objeto de exame na ação,
tampouco de cláusula do contrato de concessão que garante ao concessionário a
preservação da equação econômico-financeira em caso de vir a ser impedido,
por decisão judicial, (item 32.3, "d") de executar a concessão.
Atente-se, finalmente, que se
aceitando a afirmação nestes embargos que o custo mensal de combate a
incêndio, remoção de lixo, limpeza e vigilância, gira em torno de R$
1.500.000,00, restando as despesas de pessoal, água, luz, e manutenção, que
estas despesas teriam que ser superiores a R$ 2.500.000,00 ao mês para
causarem o alegado prejuízo, o que não se impede, por óbvio, ao município de
demonstrá-las.
Por derradeiro, em relação à última
observação da Embargante: de ter havido recurso (agravo retido) pela rejeição
das preliminares em audiência, o exame daquela ação revela que isto não
corresponde a verdade pois o que restou apresentado naquela pela
municipalidade foi um agravo de instrumento, em data subsequente, sobre cuja
pertinência processual não vem a caso instaurar discussão nesta ação. Portanto,
trata-se de afirmação que não corresponde à realidade dos fatos do processo e
aparente de possível fruto de equívoco causado pelo elevado volume de
incidentes ocorridos no bojo daquela ação popular.
DISPOSITIVO Isto posto, recebo os embargos por tempestivos e dou-lhes
provimento para aditar a decisão embargada nos termos aqui expostos, restando
mantida a decisão original em seus demais termos. Observando este Juízo que
tendo em vista a ausência de exceções na decisão proferida nos autos da
Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº 0012399-80.2016.403.0000,
daquela alcançar também o conteúdo dos presentes aclaratórios em sua íntegra,
remeta-se cópia de seu conteúdo à Exma. Desembargadora Presidente do E.
Tribunal Regional Federal da 3ª Região, para conhecimento e eventuais
providências. Intimem-se as partes, bem como as demais pessoas e autoridades
oficiadas da decisão embargada. Dê-se ciência ao Ministério Público Federal.
Intime-se a parte autora para manifestação sobre as contestações
apresentadas, no prazo de 15 (quinze) dias.
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Disponibilização D.Eletrônico de
decisão em 18/07/2016 ,pag 61/63
GRUPO Luta e Trabalho - 18/07/2016
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segunda-feira, 18 de julho de 2016
despacho saneador
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E ai q issso significa ? Alguém pode explicar
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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