DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA
3ª REGIÃO
Edição nº
30/2015 - São Paulo, quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF
Subsecretaria da 3ª Turma
Expediente
Processual 34154/2015
AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 0032050-69.2014.4.03.0000/SP
RELATORA
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Desembargadora
Federal DIVA MALERBI
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AGRAVANTE
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MUNICIPIO
DE SAO PAULO SP
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ADVOGADO
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SP137657
VIVIANE TERESA HAFFNER GASPAR e outro
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AGRAVADO(A)
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GILSON
ROBERTO DE ASSIS e outros
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CLEIA
ABREU RODEIRO
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AGOSTINHO
DO NASCIMENTO BARBOSA
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SEVERINA
MARIA DA SILVA FERREIRA
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FRANCISCO
RODRIGUES FILHO
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CLAUDIO
DO NASCIMENTO SANTOS
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ADVOGADO
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:
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SP227242A
JOÃO FERREIRA NASCIMENTO e outro
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PARTE
RÉ
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Uniao
Federal
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ADVOGADO
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SP000019
TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
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PARTE
RÉ
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PRESIDENTE
DA COFEMAP
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ADVOGADO
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SP129917
MARCOS TEIXEIRA PASSOS e outro
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ORIGEM
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JUIZO
FEDERAL DA 24 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
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No.
ORIG.
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00164259620124036100
24 Vr SAO PAULO/SP
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DECISÃO
Trata-se
de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE SÃO PAULO contra decisão
proferida nos autos da ação popular proposta por GILSON ROBERTO DE ASSIS em
face da UNIÃO FEDERAL e do ora agravante, que apreciou e decidiu diversos
pedidos deduzidos no bojo do processo e, dentre eles, ao acolher os embargos de
declaração opostos pela Municipalidade, após "prestados os
esclarecimentos reputados necessários para completo e integral entendimento da
decisão proferida (fl. 4856) e seu rigoroso cumprimento, altero a sua redação
para constar: 1) Pelo contexto dos autos e das informações dele
constantes, em princípio, apenas podem ser considerados como
invasores, neste momento, aqueles que nunca tiveram qualquer relação
com a Feira, o que significa dizer não se poder considerar como tais aqueles
que simplesmente ainda não receberam o TPU, mas já constavam do cadastro
publicado no Diário Oficial de 28.12.2012 (com exceção dos cancelados e
daqueles comerciantes que tiveram rejeitados, pela Justiça Comum, a preservação
de cadastros), ou detenham decisão judicial determinando a ocupação de box
na feira. Também não podem ser considerados irregulares comerciantes que
receberam TPU's com localização diversa da anterior e que se encontram ocupando
box na mesma localização original. 2) Determino ao Município que
suspenda qualquer tipo de operação destinada à retirada daqueles
comerciantes que não possam ser considerados invasores da Feira (nos termos do
parágrafo anterior), antes que todos os TPU's sejam fornecidos, com a
localização equivalente à original. Por consequência, reitera-se a decisão de
09.05.2014, no sentido de que cabe ao Município as providências
necessárias destinadas em obter a desocupação de boxes e quaisquer espaços da
feira ocupados por invasores (por óbvio, observando-se quem pode
ser considerado como invasor, nos termos do parágrafo anterior). 3) Determino
ao Município que, no prazo de 90 dias, conclua não só a emissão de todos os
TPU's, como também retifique a numeração daqueles já concedidos, ajustando o
número do box à anterior localização no espaço da Feira (conforme se
comprometeu a municipalidade nestes autos), apresentando a este Juízo a
definitiva relação de permissionários, com o respectivo número do box
atribuído, sob pena de desobediência, nos termos do Art. 8º da Lei nº 4.717/65.
4) Ressalta o Juízo que se encontra suspensa qualquer alteração na
localização daqueles comerciantes que não possam ser considerados
invasores da Feira (conforme decidido acima), seja por força de não estarem
ocupando o local correto, seja por não terem recebido ainda o respectivo
TPU.".
Narra o
agravante cuidar-se na origem de "ação popular distribuída em
18/09/2012 contra o Município de São Paulo, a União e certo indivíduo, na qual
o autor requer a declaração de nulidade ou a rescisão de contrato de cessão sob
o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, assinados pela União e
pelo Município de São Paulo, tendo por objeto a área conhecida como Pátio do
Pari, onde funciona a chamada 'Feira da Madrugada'", bem como
que "em causa de pedir, o autor popular alega que o Gestor da
Feira da Madrugada estaria permitindo a construção de novos boxes no
estacionamento de ônibus, no interior da Feira, o que seria proibido pelo
contrato de cessão. Afirma que o suposto descumprimento seria causa suficiente
para rescisão do contrato".
Sustenta
que, "considerando-se o quão estreitos afiguram-se os limites da
causa de pedir e do pedido, são manifestamente alheias ao objeto da demanda as
decisões já proferidas pelo MM Juízo da 24ª Vara Cível", tanto que "o
Ministério Público Federal oficiante no feito como custus legis protocolou
manifestação, em 05/08 último, alertando para o fato e conclamando o órgão
judicante a chamar o feito à ordem: 'Todavia, em que pese o esforço
do douto magistrado em tutelar os direitos dos comerciantes da Feira da
Madrugada, pessoas em condição de hipossuficiência técnica e financeira, diante
das intervenções pretendidas pelo Município, verifica-se que o objeto da lide
vem sendo significativamente alterado pelo autor, que passou a se valer do
presente processo para questionar todo tipo de intervenção realizada na Feira
da Madrugada, a fim de obter provimentos judiciais favoráveis às suas
convicções. Restou tão evidente a mudança do escopo dessa ação que até o réu
SABINO passou a postular a intervenção judicial na feira pretendendo que fossem
retirados os comerciantes que estavam atuando em tripés e esteiras, sem boxes
e/ou pagamento de taxa à Prefeitura (fls. 4497/4500). Tal fato, contudo, não
pode ser tolerado, sob pena de transformar o MM. Juiz num Fiscal da Madrugada e
protelar o desfecho do presente processo ad eternum, enquanto houver qualquer
tipo de intervenção do Município de São Paulo no espaço do Pátio do pari. Vige
no Processo Civil Brasileiro o princípio da estabilização da demanda, segundo o
qual o autor só pode promover a alteração dos elementos objetivos da demanda
(pedido e causa de pedir) antes da citação do réu. Após a citação, a alteração
somente poderá se dar mediante consentimento do réu, devendo aquela ocorrer até
o saneamento do feito (art. 264 do CPC). O aditamento do pedido, por sua vez,
devera ocorrer até antes da citação (art. 294 do CPC).'"
Aduz
que "a decisão que aqui se impugna (...) é mais uma expressão do
ativismo com que vem o MM. Juízo conduzindo o feito", pois, "em
12/09, embora reconhecendo estar indo além dos limites de sua cognição sobre a
causa('...impossível discordar das observações do Ministério Público Federal no
sentido de ampliação do escopo da presente ação, a impor a este Juízo, mesmo
contra vontade, ter que atuar em determinados momentos como fiscal da Feira da
Madrugada'), o MM. Juízo de 1º grau, entendendo que o Município
vinha considerando 'invasores' da Feira da Madrugada indivíduos que não
poderiam sê-lo, determinou-lhe '...que, no prazo de 90 dias,
conclua não só a emissão de todos os TPUs, como também retifique a numeração
daqueles já concedidos, ajustando o número do boxe à anterior localização no
espaço da Feira', além de impor '...se encontrar
suspensa qualquer alteração na localização de comerciantes (aqueles que
constavam do cadastro publicado no Diário Oficial de 28.12.2012 e aqueles que
detenham decisão judicial determinando a ocupação de boxe na feira), seja por
força de não estarem ocupando o local correto, seja por não terem recebido
ainda o respectivo TPU.'".
Argumenta
que a referida "decisão deflagrou conflito entre indivíduos que
passaram se reputar merecedores de Termo de Permissão de Uso (TPU) tão-somente
por figurarem no 'cadastro publicado no Diário Oficial de 28.12.2012', e
aqueles já titulares de permissão porque efetivamente merecedores da outorga de
boxes no interior da Feira segundo os critérios do Decreto nº 54.318, de 6 de
setembro de 2013", o que o motivou a apresentar embargos declaratórios.
Descreve,
ainda, que "decorrido longo hiato sem que fossem os Embargos
apreciados, durante o qual episódios de tensão e conflito multiplicaram-se no
Pátio do Pari em virtude da ordem judicial, o Município protocolou petição
levando tais fatos ao conhecimento do MM. Juízo. Informou ainda que legítimos
titulares de TPU vinham ajuizando demandas em face do Ente Público na Justiça
Estadual, por se verem coarctados em seu direito ao gozo da permissão de uso
por outros que, brandindo a decisão do MM. Juízo da 24ª Vara, invadiam seus
boxes".
Esclarece
que "em 27/11, foi juntado aos autos mandado de intimação do
Município contendo decisão acolhendo os Declaratórios. Afirmando 'absurda' a
interpretação no sentido de o 'Juízo estar impedindo o Município de retirar
invasores da Feira, bem como daqueles comerciantes que tiveram negados, pelo
Judiciário Estadual, os pedidos de anulação do cancelamento', além de
reconhecer 'verossímil não ser possível uma absoluta coincidência de
localização, por força de nova configuração física da feira'", o
que acabou por culminar nas determinações judiciais ora combatidas por meio do
presente agravo.
Narra,
ainda, nas razões de recurso, por longas 17 (dezessete) páginas, toda
cronologia fática do ocorrido antes e depois do aforamento da demanda em curso
no 1º grau de jurisdição, destacando, em síntese, que "o critério
de proximidade é o mais adequado" para a "localização" dos "comerciantes
que, por terem preenchido os requisitos, fazem jus à outorga de TPU";
que "a localização dos boxes deve ser determinada de forma
discricionária pelo Município"; que "cumpria ao
Município, portanto, tão-somente proceder ao cadastro dos então ocupantes do
imóvel, bem como velar pela segurança e limpeza"; que "descabe ao
órgão de 1º grau, assim, impor qualquer critério para a distribuição espacial
dos boxes no Pátio do Pari. E se cuida de mera opção administrador do imóvel,
legítima e pertinente ao exercício de competência discricionária, adotar o
critério de proximidade acima referido. A outorga de Termos de Permissão de Uso
é ato unilateral, precário e, especialmente, discricionário da Administração
Municipal. Compete exclusivamente a esta avaliar a oportunidade e conveniência,
ou seja, o mérito administrativo, de se anular à utilização de bem público, por
meio do instituto da permissão de uso, levando em consideração o interesse
coletivo que tal emprego possa satisfazer" (fl. 20);
que "não assumiu obrigação de manter ou observar a localização
anterior dos boxes"; e que "de todo modo, tendo em vista
que já foram emitidos 2.387 (dois mil trezentos e oitenta sete) Termos de
Permissão de Uso, consoante informado pela Subprefeitura Mooca, restam poucos
de tais instrumentos a pender de emissão, considerando-se os requerimentos
protocolados no prazo" (fl. 29).
Advoga
que a decisão proferida "por esta Colenda Turma no bojo do Agravo
de Instrumento nº 0012680-41.2013.4.03.0000", de relatoria da
Desembargadora Federal Cecília Marcondes, que lhe impôs a obrigação de
realizar "as obras mencionadas no prazo de 60 (sessenta) dias a
contar da data da audiência realizada, sob pena de ser condenada no pagamento
de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais)" (...) "já
não surte efeitos, por duas razões: a) a obra foi concluída, o
que é fato incontroverso nos autos entre as partes (art. 334, III do CPC),
documentado inclusive por todos os pedidos que o Agravado formulou após, tanto
que a localização dos boxes sofreu alteração e o próprio MM. Juízo determinou
que se "retifique a numeração daqueles já concedidos, ajustando o número
do boxe à anterior localização no espaço da Feira" e afirmou, na mesma
decisão, que "não se vê lógica na elaboração de um cadastramento demandar
mais tempo que a reforma da própria Feira da Madrugada"; b) O acórdão que
fixou a multa diária não transitou em julgado, sendo inviável sua
execução contra a Fazenda Pública (art. 100 da Constituição Federal), pois
foram interpostos Recursos Extraordinários e Especial pelo Município
(andamentos em anexo). Ademais, é sabido que as astreintes tem por única finalidade
a coerção do devedor a adimplir obrigação de fazer. São seus pressupostos a
existência de dever líquido e certo e a recalcitrância
da parte obrigada. Uma vez concluída a obra, descabe cobrá-las, por não
servirem nem ao enriquecimento do autor popular, nem à punição do
Município".
Deduz seu
pleito final de reforma da decisão agravada nos seguintes termos e com relação
ao afastamento dos seguintes aspectos: "são objeto do pedido de
reexame que se faz a esta Colenda Turma, portanto: - A
imposição da obrigação de não-fazer, fundada no entendimento de que 'também
não podem ser considerados irregulares comerciantes que receberam TPUs com
localização diversa da anterior e que se encontram ocupando boxe na mesma
localização original', de que se suspenda 'qualquer tipo de
operação destinada à retirada daqueles comerciantes que não possam ser
considerados invasores da Feira (nos termos do parágrafo anterior), antes que
todos os TPUs sejam fornecidos, com a localização equivalente à original', também
expressa na vedação, 'até que se conclua a emissão de todos os
TPUs', da 'retirada de comerciante (não invasor) que se encontre
ocupando o mesmo boxe que possuía anteriormente e que este boxe tenha sido
indevidamente atribuído a outrem pela Municipalidade'; - A
imposição da obrigação de fazer de 'no prazo de 90 dias, conclua
não só a emissão de todos os TPUs, como também retifique a numeração daqueles
já concedidos, ajustando o número do boxe à anterior localização no espaço da
Feira'".
Pugna, ao
final, pela concessão de efeito suspensivo ao agravo.
Às fls.
469/472 foram prestadas informações pelo Juízo a quo.
Contraminuta
às fls. 473/476.
É o
relatório.
Decido.
Nos
termos do artigo 527, inciso III, combinando com o disposto no artigo 558 do
Código de Processo Civil, para a concessão de efeito suspensivo ao recurso de
agravo de instrumento faz-se indispensável a presença da relevância da
fundamentação e, simultaneamente, perspectiva de ocorrência de lesão grave e de
difícil reparação.
Neste
juízo de cognição sumária, verifico assistir razão ao agravante.
A
verossimilhança das suas alegações está justamente no fato de que as
determinações constantes da decisão agravada não guardam correlação mínima com
as causas de pedir e desbordam completamente da pretensão perseguida pelo autor
popular na ação de origem. É possível colher-se da confusa petição inicial,
cujas cópias encontram-se acostadas aos autos, que os fatos - causas de pedir
próximas - que lastreiam os pedidos deduzidos pelo autor, basicamente, traduzem-se
pelas alegações de "que o gestor da 'Feira da Madrugada' Sr.
João Roberto Fonseca nomeado pela Prefeitura de São Paulo, em conjunto com Sr.
Sabino conhecido como presidente da COFEMAP, com endereço na administração da
Feira, vem ao arrepio da lei (art. 1º, inciso IV, e 5º, 1 da Lei 7.347, de 24
de julho de 1985, e arts. 5º e 17 da lei nº 8.429/1992) e do crime de usurpação
de função pública, previsto no art. 3289 do Código Penal ou, até mesmo, do
crime de exercício funcional ilegalmente antecipado, previsto no art. 324 do
código penal que fica desde já requerido, pelas flagrantes 'construções após
impedimento no contrato ora impugnado entre a UNIÃO e PREFEITURA DE SÃO PAULO,
a cada dia construção de novos boxes ocupando o estacionamento dos ônibus e vendendo
para terceiros, sem licitação, por valores até R$ 400.000,00 (quatrocentos mil
reais) rateados entre eles, segundo informações, é o que mais se comenta na
feira da madrugada pelos antigos titulares dos boxes' revoltando aos antigos
ambulantes que ali lutam a mais de 5 (cinco) anos, devendo ser apurado pela
POLICIA FEDERAL in loco imediatamente". (fl. 37); bem como de que
o contrato celebrado entre os réus, cuja desconstituição se pretende na ação de
origem, trata-se de "aberração jurídica sem uma decisão definitiva para
REINTEGRAÇÃO DE POSSE PARA A UNIÃO em tramite na JUSTIÇA FEDERAL, na 9ª Vara
Federal sob nº 0006288-26.2010.4.03.6100, por decisão LIMINAR, data máxima
vênia, Será que estão pré julgando a reintegração ? Será que a UNIÃO X
PREFEITURA DE SP já sabem do resultado final do mérito da ação REINTEGRAÇÃO
DE POSSE?". (fl. 41), e que "em razão disso, diligenciou
junto ao pátio de Pari e executou várias fotos via aérea desde o início das
novas construções de boxes que leva a quebra do contrato na forma prevista na
clausula 7ª parágrafo VII do CONTRATO DE CESSÃO SOB REGIME DE CONCESSÃO DE
DIREITO REAL DE USO RESOLUVEL EM CONDIÇÕES ESPECIAIS, que ora de impugna,
comprovando pelas fotos a construção dos novos "boxes" falsos e
ilegais que estão sendo construído todos os dias sem nenhum critério e com
cobrança "propina", confirmando as alegações dos funcionários e
testemunhas de todos os titulares de boxes cadastrados com mais de 5 (cinco)
anos trabalhando na Feira que estarão a disposição da justiça como testemunhas
de todos os fatos narrados nesta Ação Popular". (fl. 42)
Por sua
vez, também é possível colher-se da inicial que as causas de pedir remotas são
a "nulidade do CONTRATO DE CESSÃO SOB-REGIME DE
CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO RESOLUVEL EM CONDIÇÕES ESPECIAIS, por falta da
garantia da segurança jurídica da coisa julgada, em flagrante recalcitrância a
decisão ainda em fase de liminar de REINTEGRAÇÃO DE POSSE, SEM MÉRITO, no
processo... e risco de dano irreparável aos cofres Públicos, pelo vultuoso
empreendimento estabelecidos nas clausulas caso a sentença seja pelo
improvimento da ação de reintegração de posse data vênia".
(fls. 38/39), o perfazimento, na visão do autor popular, de causas
autorizadoras "da rescisão do contrato ora impugnado
previsto nos parágrafos, 12ª e 13ª a seguir: 'a utilização da área para
finalidades diversa da prevista deste contrato ou inobservância das condições e
obrigações estabelecidas neste instrumento a cargo do CONCESSIONÁRIO, implicará
na rescisão da seção revertendo o imóvel a UNIÃO'...'a não restituição imediata
da área no caso de descumprimento contratual, caracterizará esbulho possessório
e provocará a retomada administrativa pela CONCEDENTE'" (fl. 39),
bem como que, "além disso, apesar de já ter ocorrido
lesão ao patrimônio público pelo pagamento do valor cobrado para boxe novo
construído, a exposição dos "novos boxes sem licitação" resultará em
dano irreparável à moralidade pública, de nada adiantando o ajuizamento da
presente ação para reparação desse bem jurídico protegido pela
Constituição". (fl. 44), e que "a construção de novos
boxes ilegalmente, sem licitação e os que estão sendo construídos, infringe
frontalmente clausula 7ª paragrafo VII do contrato de cessão e o mais grave já
estão obstruindo o estacionamento dos ônibus no interior da Feira da Madrugada
no Pátio do Pari, que chegam transportando os sacoleiros/compradores de
todo o Brasil". (fl. 44)
Já o
pedido inicial da ação popular foi deduzido expressamente nos seguintes
termos: "Sejam, ao final, julgados procedentes os
pedidos formulados na petição inicial, decretando-se a nulidade ou rescisão por
descumprimento da clausula 7ª paragrafo VII do CONTRATO DE CESSÃO SOB REGIME DE
CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO RESOLUVEL EM CONDIÇÕES ESPECIAIS, firmado entre
a União e Município de São Paulo é, por infração contratual que determinou a
instalação dos "novos boxes" sem licitação e a condenação do Prefeito
e Gestor da "Feira da Madrugada" a ressarcir para UNIÃO, todos os
prejuízos advindos dos atos ilegais praticados". (fl. 46)
Pois bem,
discute-se na popular de origem a possibilidade ou não da construção de novos
boxes, com a conseqüente concessão de permissão de uso, pela Prefeitura do
Município de São Paulo, sem a realização de prévio procedimento licitatório, em
imóvel no qual funciona comércio popular conhecido como "Feira da
Madrugada", cujo direito de uso lhe fora cedido pela União Federal,
possuidora da área, por meio de contrato administrativo celebrado entre os ora
réus, e cuja desconstituição é pretendida pelo autor popular, sob o fundamento
de quebra de dever contratual. Paralelamente, afirma também que a suposta
construção e conseqüente concessão de novos boxes comerciais, independentemente
de licitação, feriria o princípio constitucional da moralidade pública.
Verifico
também que o autor faz menção na inicial ora à "cláusula 7ª,
parágrafo II" (fl. 40 destes autos), transcrevendo, na
sequência, trecho entre aspas e, portanto, dando a entender que o dever nela
previsto é o de: "garantir a continuidade do trabalho dos
comerciantes durante as obras"; ora à "cláusula 7ª
parágrafo VII" (fl. 46 destes autos).
Por outro
lado, afigura-se cristalino que, seja em razão da alegação de suposta infração
ao contrato de cessão de uso de área pública, firmado entre a União e o
Município de São Paulo, seja pela motivação de defesa do princípio
constitucional da moralidade pública, hipoteticamente agredido pela suposta
cessão dos novos boxes, sem a realização de licitação, a discussão em torno da
controvérsia não abarca a necessidade de se determinar a prática ou abstenção
de quaisquer outros atos, que não aqueles tendentes à verificação das situações
alegadas pelo autor em juízo.
Destaco
que as medidas judicialmente impostas, ainda que seu deferimento tivesse se
dado sob o fundamento do poder geral de cautela, conferido ao magistrado pelo
artigo 798 do Código de Processo Civil, somente poderiam ter sido decretadas se
estritamente necessárias e tendentes à preservação do resultado prático e da
efetividade buscados com o provimento jurisdicional meritório perseguido no
processo da ação popular. E não se perca de vista, aqui, que a pretensão do
autor popular é a desconstituição do contrato administrativo supra mencionado,
com a conseqüente devolução da área para a União, cujo direito de uso foi
cedido à Municipalidade de São Paulo, conseqüência lógica e natural do pleito
principal deduzido em juízo.
Impende
acrescentar que a motivação do autor popular - pressuposto inexorável do
aforamento da ação popular - é a suposta e hipotética existência de lesão ao
patrimônio público da União, no feito de origem representado pelo equivalente a
50% (cinqüenta por cento) do valor devido à cedente, União Federal, a ser
obtido com a "concessão do Projeto Circuito das Compras", "referente
à contraprestação a ser paga pelo vencedor da licitação", "empreendedor
privado" (cláusula 6ª, inciso IV, do "Contrato de
Cessão sob o regime de Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel em Condições
Especiais"). E, frise-se, outra razão não se prestaria a justificar
a propositura da ação de origem, sob pena de absoluta ausência de interesse
processual, na modalidade adequação, no seu manejo, já que se afastaria o autor
popular da permissão legal contida no artigo 1º da Lei nº 4.717, de 29 de junho
de 1965. Além do mais, a exigência de licitação para a concessão de exploração
da área encontra-se previstas nos estritos limites aqui esmiuçados.
A
alegação de utilização do imóvel de forma diversa daquela prevista no contrato
de cessão de uso, apesar de constar em passant da inicial, não
se entrelaça com a ideia de ilegalidade da construção de novos boxes, ante a
ausência de prévia licitação, justamente porque desconexas entre si.
Balizadas
tais premissas, e sem me aprofundar em considerações outras, além daquelas já
tecidas, de natureza processual que, além de representarem matéria de ordem
pública, conhecíveis de ofício, portanto, afiguravam-se necessárias para
fundamentar esta monocrática e delimitarem a compreensão do tema, exsurge
evidente o transbordamento da decisão judicial guerreada, eis que implicou,
vinculou e condicionou o gerenciamento do comércio popular exercido na área
cedida, conhecida como "Feira da Madrugada", aos
critérios de conveniência e oportunidade do órgão jurisdicional prolator, ainda
que sob o manto ou com a intenção de "demonstrar lesão aos
interesses da União Federal pelo não cumprimento de encargos do Município".
Conveniente
mais uma vez destacar, de forma a espancar toda e qualquer dúvida, que a ação
popular de origem visa comprovar a existência de quebra de dever contratual,
pelo Município de São Paulo, consistente na não realização de licitação para a
concessão de uso de boxes comerciais - o que, aliás, pelo contrato, cuja
anulação se pretende, deveria ser licitado de forma englobada ("Projeto
Circuito das Compras"), a determinado "empreendedor
particular". Esses, pelo menos, são os argumentos da inicial que,
por sua vez, para que façam algum sentido e permitam o manejo da ação popular,
procuram tutelar patrimônio da União, ao lhe evitar prejuízo financeiro
representado pelo não repasse, pelo Município de São Paulo, de 50% (cinqüenta
por cento) do valor que deveria ser obtido com a futura avença administrativa,
decorrente de prévia licitação. Extrair-se daí outros objetivos que não o ora
mencionado ou aceitar-se outras incursões na administração do comércio
existente no local cedido, ao menos por meio da ação popular da qual foi tirado
o presente agravo (tendo em vista seus fundamentos e objeto) são evidentemente
indevidas e extrapolam a sua finalidade, circunstâncias violadoras do basilar
princípio que exige congruência entre o exercício da atividade jurisdicional e
aquilo inicialmente pedido em juízo, conforme delimitam os artigos 2º, 128 e
460, todos do Código de Processo Civil. A equivalência mencionada deve se dar,
obviamente, entre o pleito deduzido na petição inicial e a decisão
judicial lato sensu, e não em relação aos requerimentos aleatórios
efetuados no curso do processo e que com ele não guardem correlação. Vale aqui
a transcrição das preciosas lições de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade
Nery, no seu festejado Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, Editora Revista dos Tribunais: "Pedido e
sentença. Princípio da congruência. Deve haver correlação entre pedido
e sentença (CPC 460), sendo defeso ao juiz decidir aquém (citra ou infra
petita), fora (extra petita) ou além (ultra petita) do que
foi pedido, se para isto a lei exigir iniciativa da parte. Caso decida com
algum dos vícios apontados, a sentença poderá ser corrigida por embargos de
declaração, se citra ou infra petita, ou por
recurso de apelação, se tiver sido proferida extra ou ultra
petita. Por pedido deve ser entendido o conjunto formado pela causa
(ou causae) petendi e o pedido em sentido estrito.
A decisão do juiz fica vinculada à causa de pedir e ao pedido".
O mesmo
raciocínio vale para as decisões interlocutórias proferidas no curso do feito.
As antecipatórias de efeitos, decorrentes daquilo que se pretende com o
provimento de mérito favorável, por óbvio, não podem conceder mais do que se
poderia obter ao final da lide. Já as medidas acautelatórias, como dito
anteriormente, devem guardar estreita vinculação com a necessidade de se
resguardar a efetividade da sentença meritória a ser proferida no processo de
conhecimento e somente se justificam nesses exatos termos.
Determinar
à Municipalidade de São Paulo que "apenas podem ser considerados
como invasores (...) aqueles que nunca tiveram qualquer
relação com a Feira"; e que "também não podem ser considerados
irregulares comerciantes que receberam TPU's com localização diversa da
anterior e que se encontram ocupando Box na mesma localização original" não
diz com o objeto da demanda e adentram em aspectos que não estão sendo
discutidos no feito, além do que invadem esfera de atribuição não transferida
ao Poder Judiciário, sequer para resolver o conflito de interesses trazido a
julgamento. O mesmo se pode dizer das determinações de suspensão de "qualquer
tipo de operação destinada à retirada daqueles comerciantes que não possam ser
considerados invasores da Feira (...) antes que todos os TPU's
sejam fornecidos, com a localização equivalente à original", bem
como de suspensão de "qualquer alteração na localização daqueles
comerciantes que não possam ser considerados invasores da Feira". Por
fim, os mesmos argumentos fielmente se aplicam à determinação de conclusão, no
prazo de 90 (noventa) dias, da "emissão de todos os TPU's, como
também" da retificação da "numeração daqueles já
concedidos, ajustando o número do Box à anterior localização no espaço da
Feira".
Causa
estranheza, aliás, que isto esteja sendo discutido no feito originário. Não só
porque não é objeto seu, como, e principalmente, porque a cessão de uso de bem
imóvel, que, mais uma vez ressalto, a desconstituição se pretende, prevê que a
gestão do "Projeto de Circuito das Compras" deverá
ser transferida a "empreendedor privado", a quem,
portanto, incumbirá, dentro dos estreitos limites conferidos pelo edital
licitatório, explorar e administrar o funcionamento do comércio ali exercido,
mediante o pagamento de "contraprestação" anual
pecuniária, devida pelo uso do terreno.
Todas as
demais condutas e precauções que devam ser adotadas pela Municipalidade de São
Paulo e estranhas ao que se discute na ação popular de origem estão inseridas
no poder-dever da Administração Pública Municipal, quer relacionem-se à
fiscalização, ao controle, à gestão, à segurança, à limpeza, ao exercício do
poder de polícia, ao saneamento básico da área na qual se encontra instalada a
denominada "Feira da Madrugada", quer se vinculem às
outras tantas providências, essenciais à regular manutenção da aludida praça
comercial, sempre, é claro, dentro do que estabelece o ordenamento jurídico
pátrio. Futuras ações, tidas por supostamente ilegítimas e atribuídas ao
Município de São Paulo, em razão das competências que lhe são inerentes,
poderão, se o caso, ser discutidas individualmente, por meio dos instrumentos
processuais adequados, observados os interesses efetivamente lesados, inclusive
para a aferição da competência do órgão jurisdicional para seu processo e
julgamento.
Nunca é
demais lembrar que a incursão judicial na atividade administrativa só deve ser
permitida para a correção de ilegalidades ou para a integração legislativa,
desde que não haja disposição expressa sobre o tema, sob pena de sobreposição
de funções e conflito indevido de atuações. E, ainda assim, com a essencial
existência de pedido específico nesse sentido, formulado por meio de
instrumento adequado, que permita ao Poder Judiciário exercer, na sua
integralidade, seu mister constitucional. Fora dessas hipóteses, ainda que
pareça sedutor, a substituição da vontade do administrador pela do julgador
traduz-se em inaceitável intervenção judicial, que impõe ao tribunal a sua
imediata limitação ou correção. Nesse sentido confiram-se os arestos ora
colacionados, oriundos do C. Superior Tribunal de Justiça:
"PEDIDO
DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. INTERFERÊNCIA DO JUDICIÁRIO NA ATIVIDADE
ADMINISTRATIVA. FLAGRANTE ILEGITIMIDADE E LESÃO À ORDEM PÚBLICA. Ao
Judiciário cabe o controle da legalidade dos atos daAdministração. O ativismo
judicial pode legitimar-se para integrar a legislação onde não
exista norma escrita, recorrendo-se, então, à analogia, aos costumes e aos
princípios gerais de direito (CPC, art. 126). Mas a atividade
administrativa, propriamente tal, não pode ser pautada pelo
Judiciário. Na espécie, em última análise, o MM. Juiz Federal fez
mais do que a Administração poderia fazer, porque impôs o que esta
só pode autorizar, isto é, que alguém assuma a responsabilidade
pela prestação de serviço público. Agravo regimental não provido."
(grifos nossos)
(AgRg na
SLS 1427/CE, Relator Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, j. 05/12/2011,
DJe 29/02/2012)
"PROCESSUAL
CIVIL E AMBIENTAL. NATUREZA JURÍDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS. TERRENOS DE
MARINHA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ATERRO ILEGAL DE LIXO. DANO AMBIENTAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NEXO DE CAUSALIDADE.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃO
AMBIENTAL. ATIVISMO JUDICIAL. MUDANÇAS CLIMÁTICAS. DESAFETAÇÃO OU
DESCLASSIFICAÇÃO JURÍDICA TÁCITA. SÚMULA 282/STF. VIOLAÇÃO DO ART. 397 DO CPC
NÃO CONFIGURADA. ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981.
1. Como regra,
não viola o art. 397 do CPC a decisão que indefere a juntada de documentos que
não se referem a fatos novos ou não foram apresentados no momento processual
oportuno, ou seja, logo após a intimação da parte para se manifestar sobre o
laudo pericial por ela impugnado.
2. Por
séculos prevaleceu entre nós a concepção cultural distorcida que enxergava nos
manguezais lato sensu (= manguezais stricto sensu e marismas) o modelo
consumado do feio, do fétido e do insalubre, uma modalidade de patinho-feio dos
ecossistemas ou antítese do Jardim do Éden.
3.
Ecossistema-transição entre o ambiente marinho, fluvial e terrestre, os
manguezais foram menosprezados, popular e juridicamente, e por isso mesmo
considerados terra improdutiva e de ninguém, associados à procriação de
mosquitos transmissores de doenças graves, como a malária e a febre amarela. Um
ambiente desprezível, tanto que ocupado pela população mais humilde, na forma
de palafitas, e sinônimo de pobreza, sujeira e párias sociais (como zonas de
prostituição e outras atividades ilícitas).
4. Dar
cabo dos manguezais, sobretudo os urbanos em época de epidemias, era favor
prestado pelos particulares e dever do Estado, percepção incorporada tanto no
sentimento do povo como em leis sanitárias promulgadas nos vários níveis de
governo.
5.
Benfeitor-modernizador, o adversário do manguezal era incentivado pela
Administração e contava com a leniência do Judiciário, pois ninguém haveria de
obstaculizar a ação de quem era socialmente abraçado como exemplo do
empreendedor a serviço da urbanização civilizadora e do saneamento purificador
do corpo e do espírito.
6.
Destruir manguezal impunha-se como recuperação e cura de uma anomalia da
Natureza, convertendo a aberração natural - pela humanização, saneamento e
expurgo de suas características ecológicas - no Jardim do Éden de que nunca
fizera parte.
7. No
Brasil, ao contrário de outros países, o juiz não cria obrigações
de proteção do meio ambiente. Elas jorram da lei, após terem
passado pelo crivo do Poder Legislativo. Daí não precisarmos de
juízes ativistas, pois o ativismo é da lei e do texto constitucional.
Felizmente nosso Judiciário não é assombrado por um oceano de
lacunas ou um festival de meias-palavras legislativas. Se lacuna
existe, não é por falta de lei, nem mesmo por defeito na lei; é por
ausência ou deficiência de implementação administrativa e judicial
dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo legislador.
8. A
legislação brasileira atual reflete a transformação científica, ética, política
e jurídica que reposicionou os manguezais, levando-os da condição de risco à
saúde pública ao patamar de ecossistema criticamente ameaçado. Objetivando
resguardar suas funções ecológicas, econômicas e sociais, o legislador
atribuiu-lhes o regime jurídico de Área de Preservação Permanente.
9. É
dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos manguezais,
necessidade cada vez maior, sobretudo em época de mudanças climáticas e aumento
do nível do mar. Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo
do lucro fácil e de benefícios de curto prazo, drená-los ou aterrá-los para a
especulação imobiliária ou exploração do solo, ou transformá-los em depósito de
lixo caracterizam ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao
bem-estar da coletividade, comportamento que deve ser pronta e energicamente
coibido e apenado pela Administração e pelo Judiciário.
10. Na
forma do art. 225, caput, da Constituição de 1988, o manguezal é bem de uso
comum do povo, marcado pela imprescritibilidade e inalienabilidade. Logo, o
resultado de aterramento, drenagem e degradação ilegais de manguezal não se
equipara ao instituto do acrescido a terreno de marinha, previsto no art. 20,
inciso VII, do texto constitucional.
11. É
incompatível com o Direito brasileiro a chamada desafetação ou desclassificação
jurídica tácita em razão do fato consumado.
12. As
obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduos no solo
são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e se transferem
ao futuro proprietário, prescindindo-se de debate sobre a boa ou má-fé do
adquirente, pois não se está no âmbito da responsabilidade subjetiva, baseada
em culpa.
13. Para
o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem
faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa
que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros
fazem.
14.
Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano
ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação
da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14,
§ 1°, da Lei 6.938/81.
15.
Descabe ao STJ rever o entendimento do Tribunal de origem, lastreado na prova
dos autos, de que a responsabilidade dos recorrentes ficou configurada, tanto
na forma comissiva (aterro), quanto na omissiva (deixar de impedir depósito de
lixo na área). Óbice da Súmula 7/STJ.
16.
Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido." (grifos nossos)
(REsp
650728/SC, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, j. 23/10/2007, DJe
02/12/2009)
A atuação
judicial, sob o fundamento de supressão ou integração da vontade estatal, em
prol da sociedade ou de grupo ou categoria de pessoas, é excepcional e só tem
cabimento em casos de absoluta e desarrazoada ação ou omissão da Administração
Pública. Tal conduta, aliás, só se legitima quando o Legislativo ou o Executivo
deixam de cumprir seus papéis, colocando em risco os direitos individuais e
coletivos previstos na Constituição Federal. E aqui não se enquadra o caso dos
autos, onde se discute, no fim das contas, qual ente federativo deverá se
responsabilizar, tendo em vista o direito de posse sobre a área, pelo
regramento de realidade fática há muito tempo instalada.
Enquanto
não se decida por um ou por outro - e esse o real objetivo da ação popular de
origem, já que contestada a validade da avença realizada entre União e
Município -, emerge à evidência que tal atribuição não se desloca para o âmbito
de atuação do Poder Judiciário, por mais nobres possam parecer as razões
levantadas. Vale aqui menção às considerações do Professor João Maurício
Adeodato, constantes do artigo "Jurisdição Constitucional à brasileira:
situações e limites", publicado na Revista do Instituto de
Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, vol. 1, n. 2, 2004, p. 178: "Dentro
desse debate sobre os limites à criatividade do Judiciário, pode-se considerar
a preponderância da atividade judicante na concretização, sobretudo por parte
das Cortes mais altas, como uma realidade prejudicial ao Estado Democrático de
Direito, pois o Judiciário passa a ser o guardião do conteúdo moral do direito
e, ao invés de a moral limitar o direito, como parece ser a intenção de
jusfilósofos como Ronald Dworkin, pode acontecer exatamente o contrário: a
inserção direta de princípios morais nas questões jurídicas, através de uma
'moral do judiciário', faz com que as fronteiras do que é jurídico e coercitivo
ampliem-se a níveis preocupantes no contexto democrático".
Alie-se
como robusto elemento de convicção o fato de que a própria União Federal,
cedente do imóvel ora sob os auspícios da Municipalidade de São Paulo e que
estaria a sofrer, no entender do autor popular, prejuízos financeiros, assim
como o Ministério Público Federal, órgão constitucionalmente eleito para
perseguir os interesses cruciais da sociedade e fiscalizar a adequada aplicação
da lei, opuseram-se veementemente às medidas judicialmente impostas pelo juízo
agravado, indicando, com isso, tenham elas efetivamente desbordado dos
objetivos pretendidos na ação popular originária.
A
possibilidade de lesão grave está evidenciada pelo cerceamento a que a
Municipalidade de São Paulo está sendo submetida, em área cuja administração
lhe foi cedida, na qual há risco potencial de conflito, mas cuja ação
originária ajuizada não trouxe à discussão questões outras, que não aquelas
mencionadas no corpo dessa decisão.
Posto
isso, fundado nas razões anteriormente expostas, atribuo, nos termos
disciplinados pelos artigos 527, inciso III, combinado com o 558, ambos do
Código de Processo Civil, o pleiteado efeito suspensivo ao recurso de agravo de
instrumento interposto pelo Município de São Paulo e, com isso, suspendo os
efeitos da decisão agravada com relação às seguintes determinações: 1)
Pelo contexto dos autos e das informações dele constantes, em princípio, apenas
podem ser considerados como invasores, neste momento, aqueles que nunca
tiveram qualquer relação com a Feira, o que significa dizer não se poder
considerar como tais aqueles que simplesmente ainda não receberam o TPU, mas já
constavam do cadastro publicado no Diário Oficial de 28.12.2012 (com exceção
dos cancelados e daqueles comerciantes que tiveram rejeitados, pela Justiça
Comum, a preservação de cadastros), ou detenham decisão judicial
determinando a ocupação de box na feira. Também não podem ser considerados
irregulares comerciantes que receberam TPU's com localização diversa da
anterior e que se encontram ocupando box na mesma localização original. 2)
Determino ao Municípioque suspenda qualquer tipo de operação destinada à
retirada daqueles comerciantes que não possam ser considerados
invasores da Feira (nos termos do parágrafo anterior), antes que todos
os TPU's sejam fornecidos, com a localização equivalente à original. Por
consequência, reitera-se a decisão de 09.05.2014, no sentido de que cabe ao
Município as providências necessárias destinadas em obter a desocupação de
boxes e quaisquer espaços da feira ocupados por invasores(por óbvio, observando-se
quem pode ser considerado como invasor, nos termos do parágrafo anterior). 3)
Determino ao Município que, no prazo de 90 dias, conclua não só a emissão de
todos os TPU's, como também retifique a numeração daqueles já concedidos,
ajustando o número do box à anterior localização no espaço da Feira (conforme
se comprometeu a municipalidade nestes autos), apresentando a este Juízo a
definitiva relação de permissionários, com o respectivo número do box
atribuído, sob pena de desobediência, nos termos do Art. 8º da Lei nº 4.717/65.
4) Ressalta o Juízo que se encontra suspensa qualquer alteração na
localização daqueles comerciantes que não possam ser considerados
invasores da Feira (conforme decidido acima), seja por força de não estarem
ocupando o local correto, seja por não terem recebido ainda o respectivo
TPU.".
Intimem-se.
Comunique-se.
São
Paulo, 10 de fevereiro de 2015.
CARLOS
DELGADO
Juiz
Federal Convocado
GRUPO LUTA E TRABALHO